sexta-feira, 13 de maio de 2011

Xingu por Adriano Goldman

"Cinema é cedo e longe". A frase não é minha, mas eu uso bastante. E traduz muito bem o projeto “Xingu”.
Tudo era longe, acordávamos muito cedo e percorríamos centenas de quilômetros por dia. De carro.
Os irmãos Villas Bôas fizeram tudo a pé e de canoa, por mais de dez anos. Empreitada sobre-humana.
Depois de pesquisar bastante, ler o "Marcha para o Oeste", visitar as locações pelo menos duas vezes, incluindo o parque do Xingu e as aldeias, fomos percebendo que, querendo ou não, faríamos um tipo de western sulamericano, o nosso épico. Imensas paisagens, o desconhecido, o cerrado. Os pioneiros do centro- oeste.
Pra mim foi, de fato, um grande desafio. A equipe, os cenários do Cassio, as filmagens em rios e canoas, aviões e aldeias remotas foram fazendo um pacote grande.
Decidimos filmar com duas câmeras e pela primeira vez eu não seria um dos operadores. A idéia era ter uma equipe principal e uma outra que pudesse sair atrás de paisagens e imagens que completassem cenas já filmadas.
Xingu seria um filme de externas e isso pode ser muito estressante para o fotógrafo. A idéia de que não teremos controle sobre a luz é sempre um problema. Conversamos muito sobre a luz tropical, a realidade dos Villas Bôas percorrendo o cerrado e a mata e decidimos não fazer um filme da "luz ideal' mas da "luz real", ou seja a luz dura, zenital, quente, batendo sem dó nos chapéus seria bem vinda. Claro que também queríamos a bela luz, o fim de tarde glorioso mas era muito importante ressaltar a "dureza" da empreitada.
Pronto pra começar.
E começou a queimar tudo. O Tocantins queimou enquanto filmávamos. Sem exagero. Clima de deserto, mais de 40 graus, 15% de umidade, as fazendas e parques da região queimando. A fumaça envolvia o set. Podíamos olhar diretamente para o Sol. Lá estava ele, laranja, acima da fumaça.
Nem tive como ficar frustrado, assim é que seria.
Tivemos a luz tropical mais soft. Tudo foi ficando monocromático, nos tons do figurino e dos cenários de madeira.
O cinema tem disso, depois de tudo preparado temos que estar abertos ao que é novo e surpreendente. Claro que acumulamos experiência mas cada projeto é absolutamente diferente do outro.
Começamos em São Félix do Tocantins aonde construímos o cenário do posto Leonardo e onde filmamos em rios lindos de água cristalina e a paisagem do cerrado. Depois Caseara onde filmamos o posto Diauarum e rios com água turva, muito mais largos e árvores muito mais altas, mais amazônicas. A diferença das paisagens sempre foi um dos pontos que o Cao quis enfatizar, assim perceberíamos melhor as distâncias percorridas e o isolamento do Claudio. Depois a região de Palmas e dalí para a Aldeia Yawalapity , verdadeira viagem no tempo, incrível experiência e, por último São Paulo, onde a história começa. Muitos quilômetros rodados.
Fui a lugares aonde jamais teria ido se não fosse pela profissão que escolhi e por esse projeto raro.
A história estimulava todos da equipe e o trabalho dos atores e dos índios(fantásticos) foi nos transportando para a realidade dos irmãos e cada vez era mais clara a importância da saga dos Villas Bôas para a história recente do Brasil.
Fiquei muito feliz com o resultado visual do filme mas ser bonito não basta. Queremos que o Xingu seja um filme "importante", ou seja, que coloque em discussão a questão do índio, a preservação das culturas indígenas, que apresente às novas gerações as figuras transformadoras da realidade, que mostre ao público estrangeiro um novo lado da história recente da América do Sul e, claro, que seja também entretenimento.

Esse texto foi escrito pelo diretor de fotografia de "Xingu", em 11/05/11.

Foto de Beatriz Lefèvre.

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