Desde "Filhos do Carnaval", torcia para trabalhar novamente com o Cao. Quando surgiu o convite para o "Xingu", houve uma união entre trabalhar com alguém que admirava em uma história incrível de resistência, luta e realização dos irmãos Villas Boas.
Iniciamos o processo de montagem durante as filmagens. Era meu primeiro filme em 2:35. O aspecto "alongado" exige um timing de montagem diferente já que o olho precisa de mais tempo para percorrer o quadro.
A primeira etapa é organizar e pré-montar as cenas que vão sendo filmadas. Isso ajuda o diretor a saber se as atuações estão de acordo com o que tinha planejado, se a decupagem está funcionando, se há no material a intensidade percebida na filmagem, etc. Às vezes, detalhes do figurino e maquiagem só são percebidos no silêncio da sala de montagem. Cenas de produção complexas, com barcos e aviões, também estão na lista de prioridades nessa fase de montagem paralela, pois qualquer idéia de plano novo precisa ser passada com urgência para o diretor, de maneira que não atrapalhe o plano de filmagem.
É uma etapa tensa, precisamos correr para avaliar o que está sendo filmado ao mesmo tempo em que tentamos vislumbrar possíveis transições entre cenas, respiros ou simplesmente algum insert não programado. Por isso, algumas produções deixam reservadas algumas diárias de filmagens para depois do primeiro corte. Mas quando se filma em locações distantes, de difícil acesso, o retorno se torna, muitas vezes, inviável.
Terminadas as filmagens, começa uma segunda etapa, o primeiro corte. Nesse momento ,há um misto de tensão e euforia. Tensão para saber se há um bom filme ali, apesar de todas as adversidades inerentes ao processo. Euforia pelas surpresas que novas associações de planos geram para o significado da história que está sendo contada. Às vezes, da limitação do material filmado, surge uma grande idéia, que não só soluciona uma cena, como a leva a um outro nível. Às vezes, isso vem ocorre nos cortes subseqüentes. O primeiro corte deve mostrar o potencial que o filme tem e apontar o caminho a seguir.
Começa então a terceira etapa do processo, a busca pelo corte final. Alguns filmes tem a estrutura totalmente refeita na montagem, outros apenas parte dela. De qualquer maneira há uma continuação da escrita do roteiro na montagem. Entre o que foi escrito e a cena filmada há um mundo de coisas que ocorrem. Improvisos na atuação, cenas que renderam mais do que o esperado, cenas não muito boas, atuações inspiradas; são alguns dos fatores que "desequilibram" o roteiro de filmagem e alteram o resultado. Uma música pode intensificar a cena de tal maneira que toda a linha relacionada a ela precisa ser refeita. Uma fala a menos, uma a mais, faz toda a diferença no conjunto da sequência. Uma cena linda pode ir para os extras… Fico sempre extasiado com essas variantes, como interferem na percepção total da obra.
Hoje, estamos no corte 08, aguardando uma última diária de filmagem (em função do clima) e alguns pequenos ajustes para fechá-lo. Do primeiro ao oitavo corte muita água correu pelo Rio Xingu… e espero que essa incrível história atinja o coração dos espectadores como atingiu o meu.
texto escrito por Gustavo Giani, montador de Xingu, em 26/04/11.